Contexto de Surgimento
No início da década de 90, Portugal era um dos países com maior taxa de pobreza dentro da União Europeia (UE) e, adicionalmente, não tinha qualquer prestação social dirigida aos mais pobres (Pereirinha et al, 2020). Situação que mereceu o alerta da então Comunidade Económica Europeia (CEE) e na recomendação do Conselho Europeu de 24 de Junho de 1992 (92/441/CEE) que apelava para a criação de prestações suficientes, no sistema de proteção social, para que todas as pessoas, independentemente de trabalharem ou de estarem excluídas do mercado de trabalho, pudessem viver em conformidade com a dignidade humana.
A principal explicação para este atraso português é o facto de Portugal ter vivido durante grande parte do século XX numa ditadura de extrema-direita, chegando a 1974, ano da Revolução de Abril, com um Estado Social muito básico e limitado, sendo que só se começou a construir um verdadeiro Estado Social após a revolução. Só em 1980, é que foi criado o regime não contributivo, que, posteriormente, permitiu a introdução de medidas como o Rendimento Social de Inserção (RSI) (Cavalheiro, 2017). Outros fatores que podem explicar este atraso são: o papel da família solidária nos países do Sul da Europa, que compensa a falta de políticas públicas; o funcionamento de uma economia informal com peso relevante, que compensa a insuficiências do mercado laboral; e a baixa capacidade administrativa dos países sul-europeus (Ferrera, 2005).
A recomendação 92/441/CEE teve impacto no debate político português, tendo, nos anos seguintes, surgido as primeiras propostas para a criação de um sistema universal de rendimento garantido, pela mão do Partido Comunista Português (PCP), em 1993, e do Partido Socialista (PS), em 1994. Contudo, ambas as propostas foram rejeitadas com os votos contra dos partidos de direita, Partido Social Democrata (PSD) e CDS-PP. Só em 1996, já com um Governo do Partido Socialista liderado por António Guterres, é que foi aprovada a Lei n.º 19-A/96, que criou o primeiro esquema de rendimento mínimo garantido: o Rendimento Mínimo Garantido (RMG).
Rendimento Mínimo Garantido – 1996
A implementação do Rendimento Mínimo Garantido marca o início de uma nova geração de políticas sociais, gerando um novo conceito de ação social, que complementa a prestação monetário-financeira com um programa de reinserção social, baseado na ideia de promoção da cidadania. O RMG tinha como objetivos: o combate à pobreza, a inserção de pessoas socialmente excluídas e o reforço da coesão social com o reforço da própria cidadania (Ferreira, 2015).
Segundo Batista e Cabrita (2009), o RMG foi o melhor exemplo da nova combinação de políticas e de uma primeira abordagem interseccional à política social. Simultaneamente, os três principais objetivos do RMG destacaram a importância dos aspetos mais abordados nos estudos sobre pobreza, nomeadamente, “a falta de recursos monetários, a exclusão dos direitos sociais e a exclusão dos sistemas de integração social da sociedade”. O RMG alia, assim, uma transferência de rendimento e a participação em programas de reinserção social, assegurando que as famílias têm os recursos necessários para fazer frente às necessidades mais básicas e promovendo a inserção social.
Transição para o Rendimento Social de Inserção – 2003
Durante os primeiros anos, não existiu grande debate político acerca do RMG, mas, em janeiro de 2000, o Tribunal de Contas (TdC) publicou um relatório de auditoria que dava conta de vários aspetos negativos no funcionamento do RMG, que eram urgentes alterar como, por exemplo, os mecanismos de controlo ou a prevenção de fraudes. Daqui resultaram algumas alterações legislativas como mudanças na regulamentação dos programas de inserção e uma maior preocupação pelo cumprimento das regras, com a introdução de penalizações em caso de fraude (Pereirinha et al, 2020).
Em 2002, há eleições e os partidos de direita chegam ao poder, para Ministro do Trabalho e da Segurança Social é escolhido um membro do CDS-PP, nesta altura, o principal opositor ao RMG. Este novo governo, aproveitando demagogicamente o relatório do TdC, preparou uma mudança ideológica em relação à filosofia original do RMG, provocando um retrocesso nos direitos que tinham sido conquistados, para além de uma série de mudanças ao funcionamento deste apoio social (Pereirinha et al, 2020) (Batista e Cabrita, 2009).
Em 2003, entra em vigor a Lei n.º 13/2003, que revoga o Rendimento Mínimo Garantido e cria o Rendimento Social de Inserção. Para além da mudança de nome, esta reforma política teve como objetivo transformar este apoio social num último recurso e apenas com carácter transitório, dando maior ênfase à componente de inserção social. Algumas das alterações foram: o aumento das restrições no acesso; o princípio de não renovação automática no final de um ano; a possibilidade de pagamento de parte da prestação através de vouchers para compra de alimentos; e a mudança da idade mínima para aceder ao RSI de 18 para 25 anos, esta última alteração foi impedida pelo então Presidente da República Jorge Sampaio, que pediu a fiscalização do Tribunal Constitucional, que indicou que esta norma era inconstitucional. A nova filosofia do RSI baseava-se em políticas de ativação do tipo workface, mudando o paradigma da responsabilidade coletiva para o paradigma da responsabilidade individual, característica da ideologia neoliberal (Santos, 2014) (Pereirinha et al, 2020) (Batista e Cabrita, 2009).
Alterações legislativas de 2005 até à atualidade
Em 2005, há novas eleições e nova mudança de governo, com o retorno do PS ao poder, um partido com maiores preocupações sociais do que PSD e CDS-PP. O novo governo mantém o nome RSI, proveniente da reforma de 2003, mas reverteu grande parte das alterações feitas pelo anterior Governo, com destaque para a revogação de uma norma que negava o acesso ao apoio a um grande número de imigrantes. Outras alterações foram a abolição do pagamento da prestação através de vouchers e o retorno da renovação do apoio ao final de 12 meses (Batista e Cabrita, 2009) (Pereirinha et al, 2020).
A crise financeira internacional de 2008 levou a que as instituições internacionais pressionassem o Governo português a restringir as medidas de proteção social. Assim, o Governo, em 2010, aplicou três grandes alterações às prestações sociais (onde se inclui o RSI): a mudança do conceito de agregado familiar; a utilização de um conceito de rendimento mais abrangente; e a alteração da escala de equivalência, passando a ser usada a escala da OCDE (o que, na prática, se traduziu na diminuição do valor da prestação social) (Pereirinha et al, 2020).
Em 2012, já com um novo Governo PSD e CDS-PP, é aprovado o Decreto-Lei n.º 221/2012, que passou a regulamentar o RSI, este apoio passou a ter mais restrições e critérios mais apertados no seu acesso. O valor máximo de bens imóveis, para se ser elegível, passou de 240*IAS (Indexante dos Apoios Sociais) para 60*IAS. O valor dos bens móveis passou a ter sido em consideração. Outra alteração consistiu na adoção da escala de equivalência modificada da OCDE, ou seja, consistiu na diminuição do valor da prestação pecuniária. O valor desta prestação passou a ser um valor calculado através do IAS e sofreu um corte de cerca de 25%, sendo que os beneficiários só a começavam a receber após a assinatura do contrato de reinserção social. Os beneficiários passaram a estar obrigados a disponibilizarem-se para “atividade socialmente relevante”. As penalizações por não cumprimento das regras ou por fraude foram agravadas (Pereirinha et al, 2020) (Cavalheiro, 2017).
Das eleições legislativas de 2015, emergiu um novo Governo progressista liderado pelo PS e com o apoio do PCP e Bloco de Esquerda (BE), o que permitiu que nos últimos anos algumas das políticas restritivas em relação ao RSI tenham sido revertidas. As reversões incluíram, primeiramente, o retorno à escala de equivalência original da OCDE e a reversão do corte de 25% no valor da prestação pecuniária. Mais tarde, em 2017, foi também alterado o critério de residência em Portugal, foi reposto o direito à obtenção da prestação social antes da assinatura do contrato de inserção social e a facilitação do processo de renovação do apoio (Pereirinha et al, 2020).
Referências Bibliográficas:
BATISTA, Isabel; CABRITA, Jorge. Portugal Regimes de Rendimento Mínimo. Um Estudo das Políticas Nacionais. 2009.
CAVALHEIRO, Cecília Maria dos Santos. Rendimento social de inserção: alterações das condições de acesso no período 2006-2012. 2017. PhD Thesis. Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.
FERREIRA, Ricardo Sá. Rendimento Social de Inserção, tolerância zero: o embrutecimento do estado. Sociologia: Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2015, 29.
FERRERA, Maurizio (ed.). Welfare state reform in southern Europe: fighting poverty and social exclusion in Greece, Italy, Spain and Portugal. Routledge, 2005.
PEREIRINHA, José António, et al. The guaranteed minimum income in Portugal: A universal safety net under political and financial pressure. Social Policy & Administration, 2020, 54.4: 574-586.
SANTOS, Cátia Marina Ribeiro dos. Rendimento social de inserção: caracterização e perspetivas de alguns beneficiários. 2014. PhD Thesis.
Legislação Nacional:
Lei n.º 19-A/96
Lei n.º 13/2003
Decreto-Lei n.º 42/2006
Decreto-Lei n.º 221/2012
Legislação Europeia:
Conselho das Comunidades Europeias (1992) Recomendação relativa a critérios comuns respeitantes a recursos e prestações suficientes nos sistemas de protecção social, de 24 de Junho de 1992